qualquer um pode fazer qualquer quantidade de trabalho, desde que não seja o trabalho se deveria estar fazendo no momento
(http://quoteinvestigator.com/2011/10/23/benchley-work/)
Sábado eu tinha uma missão: descer a lenha em um artigo pro mestrado. Obviamente, divaguei universos e tempos gigantescos, pesquisei livros e assuntos que ainda não tinha lido sobre as bases do meu tema, até perceber que eu ainda não tinha lido O Discurso do Método, de René Descartes. Como assim um cientista que não conhece o cartesianismo na sua íntegra e originalidade? Não pode ser, o artigo pode e deve esperar por isso.
Eis então que me enveredei nesta empreitada, já de cara encontrando um PDF com um prefácio maneiro e também uma versão pra Kindle. Gostei mais da tradução da versão com prefácio maneiro, mas não teve como competir com a ergonomia do Kindle — aspectos físicos pesando mais que os mentais, coisas da idade, para minha defesa.
Acabava o domingo e, entre outras procrastinações aninhadas que nem merecem menção, acabava também o livro. Valeu muito a pena, apesar de (leve spoiler) ter lido todas as partes mais legais ainda no sábado.
Assim, o objetivo desse blog post é compartilhar coisas que achei interessante n’O Discurso, e claro estimular o pensamento científico e racional :)
Como o prefácio que mencionei acima bem explica, Descartes escreveu O Discurso numa época pós-renascimento. Isso significa que havia uma atmosfera razoavelmente legal de pensamento fora da caixa e tendendo ao científico, porém ainda faltava um quê de racionalidade na parada — o que incomodava Descartes.
Nosso autor também estava chateado com o método de ensino da época, a tal “escolástica”, que sinceramente não lembro direito e não fui pesquisar a fundo, mas que o prefácio maneiro apresenta como antiquado. E o nível de chateação de René era tão, mas tão alto, que ele escreveu o livro em Francês (considerada língua vulgar na época), ao invés de Latim — pois queria atingir um público mais atrevido e interessado no conteúdo, ao invés dos velhos eruditos com mentalidade fechada. Ele inclusive chega a mencionar que provavelmente levaria algumas gerações para que seu método fosse amplamente compreendido.
O Discurso foi publicado em 1637. Nessa época, ele já tinha adiado a publicação de um escrito seu, aparentemente mais atrevido que O Discurso, por tomar conhecimento de que Galileu, um cientista contemporâneo seu, passava por maus bocados com a igreja por causa de suas publicações. O Discurso até esquentou discussões a seu desfavor, e posteriormente o cartesianismo chegou a ser proibido em algumas instituições, mas como nosso autor foi ponderado e ainda exilou-se na Holanda, estava razoavelmente imune de ataques da igreja.
Bem, como diria um colega personagem meu, “chega de balela intelectual”. Essa é provavelmente a parte mais útil desse meu escrito, mas gosto de dar contexto às coisas, e espero não ter indignado o leitor com meus próprios prefácios prolixos.
Vamos falar do método. A saber, o próprio autor não fala tanto do método quanto fala das razões e consequências que aconteceram ao redor do método. Então, pra simplificar, o que o fez criar o método foi o fato de que ele via uma falta de racionalidade no então atual modo de encarar o mundo.
Então, depois de muito refletir, Descartes propôs 4 preceitos que compõem o seu método para para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência. A definição de Descartes sobre cada preceito é bem sucinta, e aqui tem uma referência bacana com o texto original e explicações. A fim de não chover no molhado, vou deixar aqui apenas o modelo mais simples que consegui pensar para sintetizar os preceitos:
Como eu trabalho com engenharia de software e programação de computadores, e engenheiros e programadores adoram acrônimos, eu chamei carinhosamente essa minha síntese de DuDiCRe. Fique à vontade para usá-la na vida real (e, de preferrência, com sotquê francê!).
Não posso finalizar sem antes falar sobre o momento em que o nosso estimado filósofo conjura a sua declaração mais conhecida.
Estava Descartes envolvido em seus profundos pensamentos, pondo seu método em ação. Então ele decide ir ao extremo, e pensa em duvidar de tudo, ou seja, assumir que tudo é falso, nada é verdadeiro. Só que durante essa empreitada, ele percebe que, “meu, f*da-se se tudo existe ou não, isso eu não tenho como saber, mas, eu, se eu estou pensando essas coisas, certamente existo, portanto, penso, logo existo”!
A partir dessa premissa básica, nosso autor poderia então constuir o resto dos seus conhecimentos usando a razão. Isso também vira um estopim para filósofos que o seguem, que começam a se perguntar “beleza, eu existo porque penso, mas esse eu, que pensa, o que é, quem é?”. Por isso, Descartes também é conhecido como pai da filosofia moderna :)
Enfim é isso, procrastinei com razoável eficiência no final de semana, e o que escrevi aqui reflete o que compreendi d’O Discurso. Ah! E o que mais me fascinou nele foi a simplicidade em pontos chave: os 4 preceitos são simples, e a forma como Descartes chega na premissa básica da existência também é muito objetiva. Por fim, não sou de humanas e me faltam certos conhecimentos históricos, portanto correções ou adendos advindos do leitor são muito bem vindos. Bom carnaval!